A obra de Susan Meiselas, embora extensa, revela ao longo dos anos uma constante pulsão de registrar o mundo. Nos primeiros anos do seu trabalho, a partir dos anos 1970, a fotógrafa já mostrava um olhar engajado no que via a sua volta. Quando se juntou à equipe da Magnum Photos como freelancer, teve a possibilidade de expandir seu trabalho geograficamente, levando esse olhar para várias partes do mundo. O trabalho vive na interseção entre fotojornalismo e produção artística, criando uma visão documental que é permeada por uma sensibilidade pessoal. Cada projeto deve ser visto como uma obra em si, sendo que sequências e justaposições de suas fotos criam uma narrativa particular.
Meiselas foi reconhecida recentemente pela Deutsche Borse, organização que premia fotógrafos todos os anos. Quatro indicados ganham uma exposição na Photographer’s Gallery em Londres, mas o prêmio só é revelado depois da abertura, dando ao público a possibilidade apreciar as obras de maneira mais neutra. A exposição Mediations levou o prêmio principal, como obra completa. Como o espaço na Photographer’s Gallery é limitado, a artista optou por apresentar somente uma parte da exposição, se concentrando em seu projeto Kurdistan, In the Shadow of History, que retrata a diáspora curda e a perseguição contra o grupo étnico durante o regime de Saddam Hussein.
Susan Meiselas vai além da idéia de fotografia autoral, e se concentra em facilitar a criação registros. Apesar de conter muitas fotografias tradicionais feitas por ela e emolduradas nas paredes, a exposição dá igual importância à fotografia vernacular, anotações, cartas, periódicos, impressos e vídeo. As escolhas na obra são evidência de que o foco de Meiselas não é a fotografia como fim, mas como um potente meio de coletar, preservar e divulgar histórias. Esse poder se evidencia em algumas obras que retratam tendas de fotógrafos de rua, que se sustentam com câmeras artesanais tirando retratos de pessoas. Meiselas apresenta esses comerciantes como agentes de preservação da memória cultural dos curdos, que poderia ser facilmente perdida.
Durante os anos de perseguição aparecer em fotos com qualquer indicação de etnia curda como roupas ou tradições era proibido. Meiselas junta fotografias de curdos de vários lugares, montando um arquivo de memória de um povo que também serve como um ato de resistência política.
A exposição no geral é rica em obras, detalhes e informação, o que é de se esperar de uma fotógrafa tão prolífica. A escolha de focar nos grupos étnicos do Curdistão é interessante, porque dá a oportunidade de entender o potencial da fotografia de preservar e impedir que todo um sistema cultural seja esquecido. Infelizmente, as muitas obras na pequena sala criaram uma atmosfera um pouco claustrofóbica, com algumas áreas onde os espaços ficavam apertados. Em um canto um livro num pedestal, o texto principal de parede, uma tela com vídeo e algumas fotografias se espremiam de maneira desconfortável. Tenho a impressão de que a escolha do curador foi de apresentar a maior quantidade possível de conteúdo, mas talvez a exposição ganhasse mais peso se tivesse sido montada na sala adjacente, que era maior.
Uma das coisas mais interessantes da exposição, porém, é uma parede com o mapa da diáspora curda pelo mundo, onde penduradas por barbantes haviam histórias que Meiselas pediu para pessoas de origem curda registrarem. Os pregos que seguram os barbantes na parede marcam o lugar de onde as histórias foram escritas. Nos pequenos panfletos uma variedade de suportes, desenhos, fotos e textos contam as histórias de acordo com experiências individuais.
Essa parte da obra resume perfeitamente a inteligência da obra de Susan Meiselas, porque ela entende fotografia como um veículo para contar histórias. O objeto de apreciação na galeria então se torna a memória e a preservação da cultura. O trabalho de Meiselas se apresenta como um espaço que torna facilita essa preservação e a torna acessível para aqueles que como eu, poderiam ter vivido sem ver nem ouvir essas histórias.