O trabalho de Dave Heath reflete a solidão e a tristeza que são comumente atribuídas à sua biografia: abandonado pelos pais aos quatro anos, ele cresceu em orfanatos e viveu na pobreza. Heath descobriu fotografia na adolescência logo se tornou obcecado pelo meio. Praticamente autodidata, se aprimorou a ponto de obter reconhecimento em Nova York, estudar com W. Eugene Smith, e se tornou conhecido de Edward Steichen, diretor da coleção de fotografia do MoMA, que foi responsável por incluir sua obra no acervo do museu. Em 1965 Heath publicou A Dialogue with Solitude, considerado por muitos sua obra prima. Na publicação ele reúne fotografias de rua e textos de vários escritores e poetas que acompanham as obras. O fotógrafo fazia questão de frisar a sequência das imagens como parte integral do trabalho.
A exposição na Photographer’s Gallery, chamada de Dialogues with Solitudes é uma referência a uma nova publicação (impressa pelo mestre de produção gráfica Gerhard Steidl) que atualiza o livro original. A montagem da galeria proporciona um contexto muito eficaz para expressar a melancolia da obra de Heath. A luz baixa e as cores escuras das paredes dialogam com a técnica característica das fotografias de Heath. Considerado um talento da câmara escura por seus pares, (Robert Frank o pagou para produzir impressões de seus negativos em uma exposição do MoMA) Heath cria um estilo único que o distingue como autor. Utilizando técnicas de dodge and burn, o fotógrafo escurece ainda mais as áreas escuras da composição e destaca figuras através de superexposição parcial. O resultado é um contraste extremamente marcado que ressalta o sentimento de alienação que Heath busca expressar.
O enfoque na sequência do livro se repete na parede, criando um ritmo que se desdobra em grupos de duas ou três peças ao longo da exposição. A curadora usa a sucessão de rostos pensativos e perdidos para construir uma nova narrativa. Em uma das paredes há uma homenagem à publicação, fato que reflete a importância dos photobooks na história da fotografia. Ter acesso à estrutura da publicação e alguns dos textos justapostos com as imagens elucida um pouco mais o gênio artístico de Dave Heath. A maioria daqueles que apreciavam a obra de Heath no seu tempo o faziam através do livro, então é interessante que a exposição nos proporciona uma experiência parecida.
Uma seção pequena na parede contrária à entrada retrata uma fase mais inicial da obra de Heath, quando ele foi chamado para servir o Exército americano na Guerra da Coréia em 1952. Os retratos dos soldados colegas de Heath em serviço revelam um interesse e um talento para expressar sua própria angústia através da expressão facial dos outros. É importante citar que Heath também fotografou muitas pessoas negras durante a época em que o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos ganhava força e Martin Luther King liderava protestos e boicotes no sul do país. Sua obra captura figuras pensativas e melancólicas que, pelo menos em uma leitura, parecem refletir sobre o peso do mundo e suas injustiças.
O zeitgeist dos anos 1960 nos Estados Unidos é retratado na obra de Heath, mas na minha opinião também pode ser vista como uma expressão universal da solidão urbana na era industrial. A curadoria, infelizmente, resolveu focar na época mais do que na universalidade da obra. Me refiro à escolha de colocar quatro filmes (três num canto em rotação e um na parede principal) que de acordo com o texto na parede, bebem da mesma fonte e complementam a idéia da alienação e dos dilemas da década. Achei uma escolha corajosa mas não concordei com ela. Os filmes, com som aberto à sala, transformam completamente a atmosfera de tristeza contemplativa que a obra de Heath evoca. O som que ecoava das duas projeções (era possível ouvir as duas em qualquer lugar da galeria) atrapalhavam a imersão que a luz criava. Acredito que a obra de Heath não necessitava de nenhuma explicação ou complementação de outros meios e artistas que só tem o zeitgeist em comum. Talvez dar a opção aos visitantes de ouvir o áudio com fones e preservar o silêncio na galeria em geral fosse mais proveitoso.
Confesso que uma das coisas que mais me agradou na exposição, porém, foi a clareza da obra e a correspondência na instalação. Ao entrar na galeria, não há dúvidas sobre o objetivo do trabalho e a universalidade do sentimento. A discussão sobre a melancolia e a solidão em centros urbanos se revela extremamente relevante hoje em dia. Não é difícil imaginar esses mesmos rostos lânguidos nas fotografias de Heath olhando para smartphones no banco da praça. É interessante o poder da obra de retratar sentimentos humanos que são universais o suficiente para serem reconhecidos através do tempo. A obra de Heath proporciona essa conexão, e de certa forma a persona do gênio solitário que ele conscientemente cultivava se torna um arquétipo com o qual, na era da internet, todos nós podemos nos identificar, pelo menos um pouquinho.