Esse fim de semana eu tive o privilégio de viajar até Londres para comparecer à Photo London.
A maior feira de fotografia de arte no Reino Unido, a Photo London reuniu galerias de 21 países da Europa e de outras partes do mundo. Em sua quinta edição, a curadoria da feira se comprometeu a promover novos “modos de ver” e a importância de se pensar fotografia na sociedade contemporânea.
Ressaltando o papel crítico que as artes tem em tempos turbulentos, os diretores da mostra, Michael Benson & Fariba Farshad, comentaram que contando com a edição desse ano, a maioria das edições aconteceram no contexto do Brexit, uma grande fonte de confusão e ansiedade no Reino Unido. Segundo eles, buscar integração cultural através de galerias internacionais e criar espaços para debate são atos fundamentais dentro desse contexto político.
A feira permite entender as tendências do mercado de arte, prezando pelo avanço da fotografia como objeto de desejo para colecionadores e instituições de artes visuais. Mais importante do que isso, porém, ela revela os caminhos da fotografia no contexto da arte contemporânea, oferecendo uma visão global das possibilidades da fotografia como suporte para a obra de arte hoje em dia. Alguns fotógrafos se mantém relevantes através dos anos, outros são descobertos, outros são trazidos de volta do esquecimento. Fotógrafos contemporâneos e jovens artistas testam os limites do meio, explorando as possibilidades e estimulando o pensamento do que é fotografia para começo de conversa. As escolhas de cada fotógrafo e a curadoria da feira refletem o zeitgeist de nossa época, e revelam anseios e medos relevantes no mundo de hoje.
Localizada na Somerset House, um palácio neoclássico na região central de Londres, a mostra é composta de um pavilhão central e stands de galerias distribuídas pelas salas do prédio. Esse ano era possível ver obras de nomes como Ansel Adams, Robert Frank e Edward Weston. O acervo da galeria Howard Greenberg contou com obras de Vivian Maier, celebrada fotógrafa amadora cujos negativos foram descobertos em 2007. Maier também ganhou um espaço separado na mostra, numa exposição que reconta sua biografia. Instituições de importância na história da fotografia como a Magnum, a Aperture e até a marca de câmeras Leica estavam presentes com suas galerias também.
Mas a feira não se resumiu somente a grandes nomes, porque a disposição das obras permitiu um ambiente onde um diálogo entre o tradicional e o novo era possível. Era o caso da galeria Atlas, baseada em Londres, que expos obras de Ansel Adams justapostas com a obra do fotógrafo contemporâneo Nick Brandt (um dos meus artistas preferidos na mostra toda). Seu trabalho, crítico da relação entre o ser humano e a natureza, consiste em projetar sets grandiosos que lembram produções de cinema para criar uma única imagem. Brandt mistura construções, animais, e atores para chegar uma fotografia narrativa de que se vale de luz e composições dramáticas. Tanto Adams quanto Brandt utilizam a questão das grandes proporções como recurso, o que poderia justificar sua justaposição, apesar de o fazerem de maneiras diferentes. Esse tipo de diálogo permeou a mostra inteira, enriquecendo a experiência do espectador.
A relação entre tradicional e novo se reafirmou no subsolo, onde uma seção chamada de Discovery deu espaço para galerias mais novas que expuseram trabalhos experimentais e jovens artistas. Os trabalhos nessa seção, em geral, expandem possibilidades do meio da fotografia, seja por inovações em materiais e técnicas ou por buscarem quebrar barreiras em termos de composição e narrativa. Foi o caso de Jonny Briggs com o trabalho Tangents, que comenta sobre o uso da fotografia na memória pessoal ao intervir uma no objeto fotográfico, uma representção de retratos do seu pai e seu avô.
A intervenção na superfície da fotografia e o questionamento de sua função na sociedade são idéias que permearam a feira intera. Algumas outras tendências se fizeram mostrar de maneira bastante clara. Muitas galerias trouxeram trabalhos que tendem a se aproximar da abstração completa, criando composições cujo foco é o plano representativo, seja produzindo campos de cor com luz, ou intervindo na superfície para que o “referente” não esteja óbvio ou reconhecível no produto final. Um exemplo é o trabalho de Ellen Carey, que abandona a câmera para criar imagens diretamente no fotograma.
Uma outra tendência forte, que me atrai em particular, foi se valer da capacidade representativa da fotografia para criar narrativas. Construindo um cenário no estúdio com acessórios vestuário e iluminação, o fotógrafo proporciona uma performance em frente da câmera. Não há necessariamente um esforço para esconder que a imagem é uma encenação, pelo contrário, muitos dos artistas buscam produzir trabalhos "auto-conscientes" que seja por cores saturadas ou acessórios exagerados e humor deixam claro que a obra é uma fotografia com sua realidade própria. Não há tentativa de imitar ou reproduzir mas utilizar a fotografia para criar algo novo. É o caso de fotógrafas(os) como Tony Gum, Fernando Bayona, Haley Morris-Cafiero e Kourtney Roy.
As duas tendências não parecem hesitar em utilizar novas tecnologias. Se antigamente existia uma resistência na aceitação da fotografia digital como técnica válida para fotografia de arte, hoje em dia já nem há discussão. Com esse peso deixado para trás, artistas buscam explorar as possibilidades de criação com arquivos digitais ao seu máximo.
A feira também se alinha com o pensamento contemporâneo nos tópicos políticos e sociais. Houve um esforço palpável para ser inclusivo principalmente no espaço dedicado a fotógrafas mulheres. Susan Meiselas, Mary McCartney e Rachel Louise Brown criaram obras, comissionadas pela feira, que foram reproduzidas na superfície externa do pavilhão. Meiselas fotografou quartos vazios de abrigos para mulheres vítimas de abuso doméstico. Fotógrafa veterana, ela ganhou o prêmio Deutsche Börse de fotografia com sua vasta obra Mediations. Ela fez uma exposição que relata os registros que fez da memória de grupos étnicos curdos e sua diáspora. Eu visitei essa exposição na mesma viagem e vou dedicar um post a ela no futuro.
Com a inclusão em mente, a feira acertou em apresentar uma variedade positiva de galerias e artistas de etnias, origens, gêneros e orientação sexual diversas. Sendo uma feira de fotografia, porém, a questão de quem aparece, e como aparece nas fotos é inevitável. Ainda me incomodou um pouco o fato de ver alguns clichês de representação que persistem em se repetir no mundo da fotografia. Um em particular foi essa tendência de apresentar corpos negros com uma ligação simbólica com a terra, pintura corporal e tribalismo. Em casos individuais fica óbvio que não há nada de errado nisso, mas na mostra em geral eu pude contar nos dedos os corpos negros inseridos num contexto contemporâneo que não pode ser interpretado como "primordial". Senti falta de oportunidades de entender pessoas de cor como parte integral do mundo moderno. Minha crítica é de adição. Anseio por um avanço na consciência coletiva que adicione mais narrativas às que já existem.