Henry Fox Talbot é uma figura importante na história da fotografia. Sua pesquisa, paralela aos esforços de Louis Daguerre em Paris, gerou resultados independentes que revelam a complexidade da questão da invenção da fotografia e desafiam a tendência que se observa de se atribuir o pioneirismo ao artista francês. O museu localizado na antiga residência de Fox Talbot no sul da Inglaterra oferece ao visitante uma visão de sua trajetória.
Situado na Lacock Abbey, onde Fox Talbot desenvolveu o calótipo, a atração do National Trust inglês é uma mistura de casa histórica com museu científico. A visita nos leva a conhecer a mansão por dentro, passando pela cozinha, salas e quartos decorados com móveis e cortinas de época. Seus ambientes contam as histórias dos muitos residentes da abadia ao longo dos séculos. Fox Talbot em especial é retratado com um homem inteligente e curioso, cujo estudo buscava proporcionar avanços científicos para a humanidade. Em outro ambiente, uma galeria que lembra um museu de ciências desenha uma linha do tempo da fotografia, colocando o trabalho de Fox Talbot como ponto central.
Logo torna-se evidente que curadoria do museu casa tem um objetivo comum que está presente em cada escolha: ressaltar a importância do trabalho de Fox Talbot para a fotografia e oferecer uma contra-narrativa para a idéia de que o inglês seria de alguma maneira menos importante que Louis Daguerre nos primeiros anos do desenvolvimento da tecnologia. Esse esforço em si aponta para o fato de que todas as noções que temos sobre história são construídas. E que, com recursos materiais e esforço intelectual, é possível contemplar alternativas.
É claro que Henry Fox Talbot não é um gênio injustiçado no cânone da fotografia. Suas invenções e suas imagens fazem parte de cursos sobre a história do meio, e do imaginário sobre seus primeiros anos. É interessante, porém, observar que o esforço da curadoria em defender Fox Talbot e sua história revela uma certa parcialidade que pode ser positiva. Se estamos em museu dedicado a preservar as conquistas de um homem, por que não se colocar como um espaço que argumenta a favor dessa premissa? Melhor defender uma idéia abertamente do que fingir uma imparcialidade impraticável.
É preciso ressaltar que essa possibilidade de usar a curadoria como um meio de propor um argumento demanda recursos financeiros e culturais. Um dos momentos de clímax da visita acontece quando o roteiro leva os visitantes até uma janela. Em 1835 nesse local, Fox Talbot criou o primeiro negativo fotográfico, a partir do qual se poderiam fazer múltiplas imagens positivas. Latticed Window at Lacock Abbey figura como marco da história da fotografia reconhecível no mundo todo. Esse alcance se deve em grande parte pelo poder financeiro de Talbot e pelo estatuto de autoridade cultural do qual o Reino Unido goza até hoje.
Mas o que acontece quando há narrativas que não têm poder para se propagar? O caso de Hercule Florence, que descobriu no Brasil o processo fotográfico antecedente a e independente de Daguerre e Fox Talbot, é um exemplo. Seria possível, tanto para um inglês quanto para um brasileiro, imaginar que a fotografia foi inventada em Campinas, no interior de São Paulo? Mais uma vez, com recursos materiais e esforço intelectual, talvez. Considerar essas possibilidades e a reimaginar o mundo como conhecemos é parte fundamental das responsabilidades dos profissionais da arte. A questão não se limita somente a uma rasa noção de orgulho nacional, mas pondera que, se histórias são construídas parcialmente, nem todas são engendradas em nome do bem comum. Faz sentido então, que busquemos desafiar essas narrativas em prol de uma que desfaz injustiças milenares e nos coloca em posição de igualdade. Como o Museu Henry Fox Talbot comprova, isso pode ser uma tarefa para um curador.